Wednesday, 23 de July de 2025
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O (des)equilíbrio democrático entre os poderes da república

Por Heitor Vieira

23/07/2025 15h40 Atualizada há 6 horas
Por: Redação O Diário Fonte: diversas
O (des)equilíbrio democrático entre os poderes da república

A tripartição dos poderes, consagrada no artigo 2º da Constituição Federal de 1988, representa um dos pilares do constitucionalismo contemporâneo. Inspirada nos postulados de Montesquieu, tal estrutura visa resguardar a liberdade política mediante a divisão das funções estatais entre Executivo, Legislativo e Judiciário, de modo a evitar a concentração arbitrária de poder. Todavia, o modelo constitucional brasileiro revela uma dicotomia intrínseca: se de um lado há a pretensão de separação funcional, de outro, há a realidade da interdependência operativa, expressa no sistema de freios e contrapesos (checks and balances).

 

Nesse contexto, emerge uma tensão permanente. A independência dos Poderes, ao mesmo tempo que assegura a autonomia decisória, fomenta choques institucionais inevitáveis, sobretudo quando as fronteiras de competência se tornam difusas. O Judiciário, por exemplo, assumiu, nos últimos anos, um papel de indiscutível protagonismo, ora como árbitro de controvérsias políticas, ora como formulador de políticas públicas por meio de decisões ativistas. Essa expansão jurisdicional, ainda que justificável, em alguns momentos, em face de omissões legislativas, enseja questionamentos sobre eventual extrapolação de atribuições.

 

O Legislativo, por sua vez, detém a primazia representativa, mas frequentemente se encontra tolhido por injunções judiciais que invalidam atos normativos, decretos legislativos ou emendas constitucionais. O Executivo, na busca por eficiência administrativa, recorre a medidas provisórias e decretos regulamentares, tensionando o equilíbrio institucional ao contornar o processo legislativo ordinário. Tais práticas, embora legitimadas pela Constituição em situações excepcionais, tornaram-se corriqueiras, comprometendo o devido processo democrático.

 

A função contramajoritária do Judiciário, elemento essencial para a proteção de direitos fundamentais, não pode se converter em usurpação deliberativa. Por outro lado, o Congresso Nacional, titular da soberania popular, carece de maior zelo técnico na elaboração normativa, sob pena de fomentar a judicialização excessiva. Já o Executivo, diante das demandas imediatas da sociedade, enfrenta a tentação do decisionismo, tangenciando limites constitucionais. 

 

Neste arranjo delicado, o sistema de “checks and balances” deveria operar como instância de contenção, mas sua eficácia depende da maturidade institucional e do compromisso democrático de cada Poder. É necessário, pois, que as Cortes superiores exerçam autocontenção, abstendo-se de avançar sobre escolhas políticas legítimas, salvo quando houver violação inequívoca da Constituição. 

 

Urge também que o Parlamento se requalifique como arena deliberativa, aprimorando o debate técnico e promovendo consensos minimamente racionais. O Executivo, por sua vez, deve observar estritamente os limites da delegação legislativa, evitando governar por decretos de conveniência. 

 

A dicotomia entre independência e interdependência revela-se, portanto, inevitável em uma democracia complexa. A solução para os excessos não reside em reformas pontuais, mas na consolidação de uma cultura republicana que imponha freios, não apenas jurídicos, mas éticos, ao exercício do poder. O equilíbrio, em última instância, demanda vigilância cidadã, imprensa livre e juristas comprometidos com a Constituição como norma viva, e não como peça de retórica. Somente assim, o ideal de Montesquieu poderá transcender o plano teórico e se realizar na prática institucional brasileira.

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