Na última terça-feira (9) a Câmara de Vereadores de São Mateus/ES reprovou as contas do ex-prefeito do município, Daniel do Açaí. A decisão gerou grande repercussão no mundo político, sobretudo, porque projeta efeitos que transcendem o mero campo contábil, irradiando significativas consequências na seara eleitoral. Em virtude do disposto na Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990 (art. 1º, I, g), tal deliberação pode ensejar a inelegibilidade do antigo gestor, obstando-lhe a pretensão de concorrer a novos mandatos eletivos pelo prazo de 8 (oito) anos.
O fundamento jurídico reside na premissa de que a desaprovação de contas por irregularidade insanável, caracterizada por ato doloso de improbidade administrativa, demonstra quebra de probidade e afronta aos princípios que regem a administração pública. Destarte, a decisão do Legislativo local constitui requisito essencial para a configuração da inelegibilidade.
Cumpre salientar que o parecer técnico do órgão de contas possui natureza opinativa, cabendo à Câmara, no exercício de sua competência política, acatar ou rejeitar as conclusões do Tribunal, observados os quóruns legais. Em atenção ao art. 31, § 2º, da Constituição Federal, a rejeição do parecer opinativo do Tribunal de Contas exige o voto de, no mínimo, dois terços dos membros da Câmara Municipal.
Nesse contexto, destaca-se o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE 848.826/DF, com repercussão geral, que consolidou a tese de que somente a decisão do Poder Legislativo, e não o parecer técnico do Tribunal de Contas, possui aptidão para gerar a inelegibilidade, desde que, claro, assegurado o contraditório e a ampla defesa ao gestor.
No entanto, o reconhecimento da inelegibilidade depende da presença de elementos que evidenciem a gravidade da conduta, não sendo suficiente a decisão legislativa embasada em mera irregularidade formal ou de menor repercussão. Na prática, cabe à Justiça Eleitoral, em cada caso concreto, aferir se a decisão atende aos requisitos legais, notadamente quanto à existência de dolo, vício insanável e tipicidade de ato de improbidade.
Portanto, a reprovação das contas anuais do prefeito, enquanto instrumento de controle político-administrativo, converte-se em mecanismo de proteção da moralidade pública, refletindo-se diretamente na elegibilidade e, por conseguinte, na legitimidade do pleito. É, pois, expressão de um sistema que busca resguardar a probidade, a ética e o interesse coletivo, fundamentos basilares do regime democrático.